Política

CPI ouve sócio da Belcher, empresa que queria intermediar venda da vacina Convidecia





Laboratório chinês CanSino, que fabrica doses, rompeu contrato com a Belcher após assinatura da carta de intenção de compra. CPI apura atuação de empresas 'atravessadoras' de vacinas.

CPI da Covid ouve nesta terça-feira (24) o empresário Emanuel Catori, diretor-presidente da Belcher Farmacêutica. A empresa se apresentava como representante do laboratório chinês CanSino, fabricante da vacina Convidecia, durante as negociações com o governo brasileiro. 

Nesta segunda (23), a exemplo de outros depoentes que compareceram à CPI, Catori obteve no Supremo Tribunal Federal o direito de não responder a perguntas que possam incriminá-lo

A convocação do empresário foi mais um desdobramento da frente de investigação sobre a atuação de empresas intermediárias nas tratativas com o Ministério da Saúde, uma das principais linhas de apuração da CPI. 

Senadores veem semelhança na atuação da Belcher com a da Precisa Medicamentos, que representou um laboratório indiano na venda da vacina Covaxin e está sob investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sob suspeita de irregularidades. 

A CPI também busca apurar se há relação entre a Belcher com empresários bolsonaristas e com o líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). A empresa tem sede em Maringá, reduto político do parlamentar. 

Em depoimento à CPI, Barros saiu em defesa do imunizante e admitiu conhecer um dos sócios, cujo pai atuou na gestão de Barros quando ele era prefeito de Maringá (leia mais abaixo). 

Em junho, o secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Arnaldo Correia de Medeiros, assinou uma carta de intenção de compra de 60 milhões de doses imunizante chinês. A Belcher atuaria como a intermediária da venda. Cabia a Emanuel Catori participar das negociações com o governo brasileiro. 

A CPI já aprovou a quebra de sigilo fiscal, bancária, telefônica e telemática de Catori. 

Conforme previsto na carta de intenção, a dose da Convidecia custaria US$ 17 – a dosagem do imunizante prevê uma única aplicação, o mesmo que acontece com a vacina da Janssen. O cronograma determinava entregas da vacina para o terceiro e o quarto semestre deste ano. 

A aquisição da Convidecia não foi concretizada. Ressaltando o envolvimento da Belcher em investigações – a empresa foi alvo da operação Falso Negativo, que investiga fraudes em compras de testes rápidos –, o laboratório CanSino rompeu o contrato com a empresa brasileira logo após a assinatura da carta de intenção de compra e desautorizou a Belcher a atuar em nome da fabricante. 

Na sequência, a CanSino informou à Anvisa que estava em busca de um novo parceiro no Brasil. A agência brasileira, no entanto, encerrou o processo de autorização temporária de uso emergencial da Convidecia por perda de legitimidade da Belcher. 

Em julho, a Secretaria de Vigilância em Saúde enviou ofício à CPI no qual informa que houve uma “tratativa unilateral da empresa” e reforça a carta de intenção é apenas “um ponto de partida para futuras aquisições e não vincula este órgão na compra dessas vacinas, uma vez que a aquisição dependerá das condições a serem apresentadas na negociação”. 

Relação com Ricardo Barros

Na oitiva desta terça, senadores vão apurar se Barros ajudou a abrir as portas do Ministério da Saúde para a Belcher. Em abril, representantes da empresa se reuniram com o ministro Marcelo Queiroga, em encontro que contou também com a presença do líder do governo. 

Em depoimento à CPI, Barros negou que a aquisição da vacina chinesa foi discutida na reunião – segundo ele, a audiência visava tratar sobre um medicamento em estudo para o tratamento da Covid-19. 

Aos senadores, o líder do governo também admitiu ser “amigo pessoal” de Francisco Feio Ribeiro Filho. Ele é pai de Daniel Feio Ribeiro, outro sócio da Belcher, e foi diretor de Urbanização de Maringá quando Barros era prefeito da cidade. 

Barros também saiu em defesa do imunizante, dizendo que ele seria “vantajoso” ao Brasil, e na sequência teceu críticas à atuação da CPI, o que gerou bate-boca e levou ao encerramento da sessãoVeja

Senadores também querem entender se há a atuação de empresários bolsonaristas com a Belcher. Carlos Wizard e Luciano Hang chegaram a participar de lives com Emanuel Catori para defender a venda de vacinas para o setor privado. 

O pedido de convocação do sócio da Belcher foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice presidente da CPI. 

“Pontua-se que a CPI precisa esclarecer os detalhes das negociações para a venda da vacina chinesa Convidecia, do laboratório Cansino, por intermediação da Belcher Farmacêutica, para o que é necessária a convocação de um dos seus sócios, o Sr. Emanuel Catori, que inclusive já fez transmissões online com Luciano Hang e Carlos Wizard para tratar da venda da vacina para o Brasil”, afirma o senador no requerimento.

Ricardo Barros expôs jornalistas para alegar que dados de CPI foram vazados

O líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), chegou a expor, em autos encaminhadas à CPI da Covid e mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), conversas de três jornalistas que o questionaram sobre seu envolvimento no escândalo de compras de vacinas superfaturadas. O deputado insinua que os repórteres seriam a ponta de um vazamento de informações colhidas pela comissão.

Os três profissionais de jornalismo pertencem ao grupo Globo - dois deles são ligados à TV Globo e o terceiro ao jornal O Globo. Em prints de tela retirados de mensagens enviadas pelo aplicativo  Whatsapp é possível encontrar o número de ao menos um deles. Todos questionam o deputado e o assessor de Comunicação da Liderança do Governo na Câmara, João Pitella Junior, sobre matérias que estavam produção, durante o mês de julho de 2021, e que poderiam ligar o deputado ao escândalo da Covaxin dentro do Ministério da Saúde. Como ordenam as melhores práticas do jornalismo, os profissionais buscaram os envolvidos no caso para ouvir seus lados da versão.

Os prints estão disponíveis em um arquivo enviado pelo STF à CPI da Covid, e disponibilizado pelo Senado. Além das conversas, há outros dados sensíveis, como uma cópia de uma conta de internet do apartamento funcional ocupado pelo deputado, e mesmo um RG recente seu que foi digitalizado. No documento, a ministra Cármen Lúcia dá 24 horas para que a comissão se manifeste sobre as alegações do deputado.

Pressão

A defesa do deputado argumentou que um ataque à sua imagem teria começado no final de junho, durante depoimento de Luís Miranda (DEM-DF) à CPI. "Desde então, a imprensa e os parlamentares (especialmente os senadores de oposição ao governo integrantes da CPI) têm alimentado inúmeras acusações, especulações e ilações contra o impetrante, com o notório propósito de desgastá-lo (bem como desgastar o governo) perante a opinião pública", escrevem os advogados em uma mensagem à CPI, depois encaminhada ao STF.

As provas seriam não apenas as conversas com os jornalistas do Globo, mas também matérias veiculadas no portal Metrópoles e pela Globonews - também ligada à Rede Globo. O deputado alega também que há a perseguição da CPI contra sua pessoa e seu cargo de líder do governo, e que caberia ao Judiciário “a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais”.

O nome de Ricardo Barros aparece, segundo parte dos senadores da CPI da Covid, no centro de vários esquemas distintos de superfaturamento na compra de vacinas contra a covid-19. Seria Ricardo Barros quem teria intermediado a compra das vacinas Covaxin pelo Ministério da Saúde, assim como seria ele o responsável por permitir à Precisa Medicamentos obter vantagens junto ao poder público na venda dos imunizantes e de testes contra a doença - o que teria atrasado o início da vacinação contra covid-19 e aumentado o número de mortos pela doença.

Luís Miranda disse aos senadores que Ricardo Barros operaria este esquema da covaxin com o conhecimento do presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro não teria agido para cobrar investigação contra Barros - e por isso, foi denunciado pela CPI por prevaricação.

Barros nega participação em qualquer esquema, e acusa a CPI de persegui-lo com o objetivo de prejudicar o governo de Jair Bolsonaro. "A cada dia que passa mais informações sigilosas são ilegalmente obtidas pela CPI da Pandemia e se torna maior o risco de vazamento de tais dados", diz a defesa do deputado. "Cada dia conta para preservação dos direitos."

Ricardo Barros disse, ao Congresso em Foco, que expôs as conversas "para comprovar que o repórter teve acesso a informação protegida por segredo de justiça e que estavam sob responsabilidade da CPI". Questionado se considera que os vazamentos são direcionados apenas contra ele, o líder do governo considera que os dados em poder da CPI vazam de modo "ilegal e seletivo", em especial "para veículos que tem linha editorial de oposição ao governo".

Fonte: G1 - Congresso em Foco