As tensões políticas entre Brasil e China, com declarações repetidas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pessoas do seu entorno contra o gigante asiático, não afetaram as relações econômicas entre os dois países no ano passado — os investimentos chineses devem continuar e miram um "horizonte de longo prazo", diz um novo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
E mais: apesar das críticas à China, as ações concretas do governo brasileiro indicaram "mais continuidade do que ruptura na relação bilateral", acrescenta o documento intitulado "Investimentos chineses no Brasil: histórico, tendências e desafios globais (2007-2020)", o mais abrangente já realizado sobre o tema.
"Os investimentos chineses no Brasil são de longo prazo e isso é o que orienta a estratégia da China. Governos começam e acabam — o que importa é a relação harmoniosa entre os dois países, que já vem de muito tempo e historicamente sem atritos", explica Tulio Cariello, diretor de Conteúdo e Pesquisa do CEBC e autor do relatório.
Em 2009, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos.
"Existe, portanto, um certo limite que a China aceita em relação às críticas que recebe. Veja o caso da Austrália", assinala Cariello.
A China é o maior parceiro comercial da Austrália, enquanto a Austrália é uma das principais fontes de recursos para a China.
Mas as relações entre os dois países vêm se deteriorando desde 2018. Recentemente, chegaram a novo ponto baixo, com o apelo do governo australiano por uma investigação independente sobre a origem do coronavírus.
As tensões foram a principal causa da disparada no preço do minério de ferro em maio — a Austrália é o maior produtor mundial da matéria-prima, enquanto a China, o maior consumidor.
Nos últimos meses, a China suspendeu um acordo econômico com a Austrália e denunciou o país à Organização Mundial do Comércio (OMC) por concorrência desleal. Já militares australianos insinuaram guerra com a China.
Mas, no caso específico do Brasil, diferentemente da Austrália, há uma dissonância entre a retórica de Bolsonaro e de seus aliados mais próximos, inclusive seus filhos, contra a China, e as ações de sua gestão, ressalva Cariello.
Ele cita como exemplo a viagem do vice-presidente Hamilton Mourão a Pequim, para participar da reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), o principal mecanismo de diálogo bilateral entre Brasil e China, cinco meses após a posse.
"O gesto significou a reativação das atividades da Cosban, que deveria ter encontros a cada dois anos, mas não se reunia desde 2015. A questão dos investimentos foi um dos pontos da agenda, com indicações de que o governo brasileiro apoiava a entrada de novos aportes chineses no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos", diz o relatório.
Além disso, no ano passado, lembra Cariello, o Ministério da Agricultura criou um "Núcleo China", uma unidade especial que cuida das relações com o gigante asiático, principal destino das exportações brasileiras do agronegócio.
Segundo o jornal Valor Econômico noticiou na época, a criação do departamento estratégico foi ideia da ministra Tereza Cristina e "uma surpresa até para quem trabalha na área internacional do ministério". Cristina buscou na iniciativa privada um nome para chefiar a unidade: Larissa Wachholz, ex-diretora da consultoria de investimentos Vallya e com mestrado em Estudos Contemporâneos da China pela Universidade de Renmin, morou em Pequim por cinco anos e fala mandarim.
De fato, os investimentos chineses confirmados no Brasil caíram drasticamente no ano passado — 74% — atingindo US$ 1,9 bilhão, o menor valor registrado desde 2014. O número de projetos caiu para oito, 68% a menos do que em 2019, "ainda que a soma de aportes totais, incluindo anunciados e confirmados, tenha chegado a 15, ficando na média dos projetos entre 2011 e 2016", assinala o relatório.
Apesar disso, ressalva o documento, "esse tombo pode ser interpretado mais como um esfriamento dos fluxos de investimentos globais no exterior, que caíram 35% em 2020, do que por atritos políticos bilaterais. No Brasil, o cenário não foi diferente, com queda de 61,5% dos aportes estrangeiros de forma geral, tendência similar ao declive de 50% apontado pelo Banco Central".
O relatório destaca que outros importantes receptores de aportes chineses no exterior passaram por situações semelhantes.
Em 2020, houve redução dos investimentos na União Europeia e Reino Unido (-43%) e Austrália (-39%), "regiões onde há quedas contínuas desde 2017".
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Apesar de críticas ao gigante asiático, ações concretas do governo brasileiro indicaram "mais continuidade do que ruptura na relação bilateral", diz novo relatório
O documento faz um raio-x dos investimentos chineses no Brasil. Estes são os pontos principais:
Segundo o relatório, "apesar de eventuais altos e baixos em termos numéricos, os investimentos chineses no Brasil têm muito a oferecer a qualquer projeto de desenvolvimento nacional".
"A China dispõe de incontestável experiência em projetos de construção civil e indústria, que por décadas estiveram entre os principais motores de sua economia. Parcerias nessas áreas poderiam contribuir para a diminuição dos gargalos de infraestrutura que emperram o crescimento brasileiro", diz o documento.
"O setor de eletricidade, no qual as empresas chinesas já estão bem estabelecidas, continuará a ser um importante eixo de atuação no Brasil. As áreas portuária, de transporte e logística, nas quais há projetos em andamento, poderiam ser mais bem exploradas com a atração de novos investimentos, dado o grande potencial de atuação do lado chinês e a urgência brasileira em implementar projetos nesses setores".
"Existem oportunidades de inovação na agenda bilateral que poderiam se beneficiar do crescente avanço da China nas novas fronteiras da tecnologia da informação. A entrada de investimentos chineses nessa área no Brasil ainda é um fenômeno recente e restrito a um número relativamente baixo de atores, mas oferece um grande potencial para projetos ligados a temas como inteligência artificial, economia digital, internet das coisas, redes 5G, cidades inteligentes, dentre outros".
Reuters
Ao comentar a adesão do Brasil a uma aliança contra o uso de tecnologia 5G da Huawei, Eduardo Bolsonaro acusou diretamente a China de espionagem
Desde sua campanha presidencial, Bolsonaro vem fazendo críticas à China. Os ataques também vêm de pessoas próximas ao presidente, como seus filhos.
Em fevereiro de 2019, ele visitou Taiwan, irritando os chineses — o país é considerado uma "província rebelde" por Pequim.
Em novembro do ano passado, Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP) e filho do presidente, publicou (e depois apagou) mensagem dizendo que o governo brasileiro apoiava uma "aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China".
Em comunicado, a embaixada chinesa em Brasília falou sobre o governo brasileiro "arcar com consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil".
Em maio deste ano, Bolsonaro insinuou que a pandemia de coronavírus seria parte de uma "guerra biológica" chinesa e que "os militares sabem disso".
Logo depois, o presidente afirmou que o Brasil é "muito importante" para a China e negou ter citado o país asiático em declaração sobre a origem do novo coronavírus.
Fonte: BBC News Brasil