Fonte: ANDREA TORNIELLI
"A ideia de uma 'fuga para a doutrina pura' me parece completamente irrealista". O teólogo Joseph Ratzinger, Papa emérito, responde por escrito às perguntas da revista alemã Herder Korrespondenz, e mais uma vez parece querer se distanciar dos clichês que lhe foram etiquetados. Numa passagem da entrevista, sobre a qual quase ninguém se deteve, Bento XVI diz: "Acima de tudo, o fiel é uma pessoa que se questiona, uma pessoa que deve continuamente encontrar a realidade desta fé por trás e contra as realidades opressivas da vida cotidiana. Neste sentido, o pensamento de uma "fuga para a doutrina pura" me parece absolutamente irrealista. Uma doutrina que existe apenas como uma espécie de reserva natural, separada do mundo cotidiano da fé e de suas exigências, representaria, de alguma forma, uma renúncia à própria fé. A doutrina deve se desenvolver na fé e a partir dela e não ao lado dela".
As palavras do Papa emérito, como também pode ser visto no decorrer da entrevista, fazem emergir o rosto de uma Igreja que fala com o coração e o espírito, porque uma Igreja que fala apenas com sua oficialidade doutrinal ou com o funcionalismo de suas estruturas acaba distanciando em vez de atrair.
Já em 2001, no livro-entrevista com Peter Seewald "Deus e o mundo", o então cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé declarou: "A natureza da fé não é tal que a partir de um certo momento se possa dizer: eu a tenho, os outros não... A fé permanece um caminho. Ao longo de nossa vida, ela permanece um caminho e, portanto, a fé é sempre ameaçada e em perigo. Também é saudável que, desta forma, se subtraia do risco de se transformar numa ideologia manipulável. O risco de nos endurecer e de nos tornar incapazes de compartilhar reflexão e sofrimento com o irmão que duvida e questiona. A fé só pode amadurecer na medida em que suporta e assume, em cada fase da existência, a angústia e a força da incredulidade e a atravessa, enfim, para se tornar novamente viável numa nova época".
São palavras que Bento XVI, o Papa do Pátio dos Gentios, também reiterou em seu diálogo com os jornalistas no voo para Praga, em 26 de setembro de 2009, lembrando que o não fiel e o fiel precisam um do outro. E que "o católico não pode contentar-se em ter fé, mas deve estar em busca de Deus ainda mais, e no diálogo com os outros reaprender Deus de uma forma mais profunda".
O fiel que ainda não sabe tudo, mas faz perguntas diante da realidade da vida cotidiana, a fé que não é uma posse adquirida de uma vez por todas, mas um caminho e um desenvolvimento, bem longe de qualquer fuga para a doutrina reduzida a uma reserva natural separada do mundo. O fiel que precisa das perguntas e dúvidas do não fiel, para não reduzir sua fé a uma ideologia, a um esquema: estes são temas que Bento XVI aprofundou várias vezes como teólogo, cardeal e Papa. E é uma visão que encontramos várias vezes nas palavras de seu sucessor Francisco. Por exemplo, no diálogo que conduziu com os sacerdotes, religiosos e religiosas na Catedral de Milão em 25 de março de 2017, quando convidou quem evangeliza a se libertar dos resultados e a não se entristecer com os desafios que a Igreja vive hoje, advertindo precisamente contra o risco de transformar a fé em ideologia.
"Pois bem", disse Francisco, "que haja desafios porque eles nos fazem crescer". São um sinal de fé viva, de uma comunidade viva que busca o seu Senhor e mantém seus olhos e seu coração abertos. Devemos antes temer uma fé sem desafios, uma fé que se considera completa, toda completa: não preciso de outras coisas, tudo está feito... E se considera completa como se tudo tivesse sido dito e realizado". "Os desafios", acrescentou naquela ocasião o Papa Bergoglio, "nos ajudam a fazer com que a nossa fé não se torne ideológica. Existem os perigos das ideologias, sempre. As ideologias crescem, germinam e crescem quando se acredita que se tem fé completa, e se torna ideologia. Os desafios nos salvam do pensamento fechado e definido e nos abrem para uma compreensão mais ampla dos dados revelados".