A diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, contestou hoje, em depoimento à CPI da Covid, relato do Ministério da Saúde de que a Covaxin teria sido oferecida por US$ 10 dólares a dose em uma reunião realizada em novembro de 2020, meses antes da assinatura do contrato que fixou o valor do imunizante em US$ 15 por dose.
De acordo com a funcionária, existia à época apenas uma "expectativa de que o produto pudesse custar US$ 10 ou menos", mas nunca houve uma oferta sobre a mesa com essa precificação. Ela classificou a narrativa do ministério como "equivocada".
O relato do ministério consta de uma ata de memória da reunião realizada em 20 de novembro do ano passado, da qual participaram os dirigentes da Precisa, do governo federal e do fabricante da vacina, o laboratório Bharat Biotech. Na ocasião, as tratativas estavam em fase inicial. A primeira oferta formal, no valor de US$ 15 por dose, só foi encaminhada em 15 de janeiro. O contrato foi assinado no mês seguinte, em 25 de fevereiro.
"Essa memória de reunião foi unilateral, confeccionada pelo Ministério da Saúde. Não houve oferta de US$ 10 dólares por dose, tenho aqui cronograma das últimas vezes que pedi que esse produto fosse mais barato."
Emanuela afirmou à CPI que, no período entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, ela tomou a iniciativa de buscar junto ao laboratório Bharat Biotech uma redução no preço-base da Covaxin. A depoente revelou que, em dezembro, a fabricante chegou a pedir um valor ainda mais alto, US$ 18 por dose, o que teria sido imediatamente rechaçado por ela.
"A política de precificação da Covaxin é 100% da Bharat. A Precisa não atua na precificação. O que nós fizemos foi tentar o tempo todo reduzir esse custo."
Ao colegiado, a diretora da empresa brasileira disse que entregaria cópias de e-mails enviados por ela à Bharat Biotech com a referida tentativa de barganha no custo da Covaxin. Ao fim do processo de negociação, segundo ela, o valor consentido pelo fabricante foi US$ 15 a dose.
"Por diversas vezes [o Ministério da Saúde tentou reduzir o custo da vacina]. (...) Tenho inúmeras evidências, eu solicitando e colocando o desejo que a vacina custasse menos de US$ 10 para o Brasil."
A Precisa recebeu oferta de US$ 18 dólares e não repassamos ao Ministério da Saúde porque esse valor estava muito longe do que eu gostaria de ofertar ao Brasil. Se na memória de reunião constava US$ 10 dólares, é uma memória unilateral. Podia ser expectativa."Emanuela Medrades na CPI da Covid
O preço que foi cobrado pela Bharat Biotech (US$ 15 por dose) é considerado elevado em comparação com as outras vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde —a Covaxin foi a mais cara. Além do patamar mais elevado de custo, o imunizante não possuía sequer estudos clínicos de fase 3 (etapa decisiva do processo regulatório).
Até hoje, o produto não foi autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso emergencial. A Precisa fez a solicitação ao órgão no fim de junho, porém o processo de análise foi suspendo devido a ausência de documentação.
Durante a oitiva, Emanuela também foi questionada sobre o bônus que seria pago à Precisa Medicamentos na condição de intermediadora do negócio. No entanto, ela alegou que o contrato possui cláusulas de confidencialidade e se negou a prestar esclarecimentos quanto a esse assunto.
"Eles [Bharat Biotech] vão receber os US$ 15 já incluso o imposto, o frete, todos os itens de riscos e derivados. Na questão da participação da Precisa, ela tem cláusula de confidencialidade, e eu não tenho autorização para compartilhar aqui", disse Emanuela.
A diretora ainda disse ser normal que o empenho para pagamento das doses seja feito no nome da empresa representante, neste caso, a Precisa Medicamentos. "Em 100% do tempo, o empenho é emitido para aquela que está representando".
A oitiva com Emanuela Medrades é uma tentativa de a CPI avançar na apuração das suspeitas que cercam o contrato referente à compra da Covaxin.
A Precisa fechou acordo com a União em 25 de fevereiro deste ano para vender 20 milhões de doses do imunizante, ao custo final de R$ 1,6 bilhão. A empresa se apresenta como representante do laboratório Bharat Biotech no país.
Posteriormente, o MPF (Ministério Público Federal) identificou indícios de crime no contrato — suspenso no final de junho. Além disso, supostas irregularidades foram denunciadas à CPI pelos irmãos Luis Miranda (deputado federal pelo DEM-DF) e Luis Ricardo Miranda (servidor do Ministério da Saúde).
Desde então, o caso tornou-se um dos principais pontos de interesse da comissão e de ameaça ao governo Jair Bolsonaro (sem partido).
O dono da Precisa, Francisco Maximiano, também prestará depoimento à comissão. A audiência para ouvi-lo foi remarcada para a volta do recesso parlamentar, em agosto.
Emanuela e Francisco foram convocados para depor há semanas, mas só agora deverão dar esclarecimentos aos senadores. Isso porque eles conseguiram no STF (Supremo Tribunal Federal) liminares que garantiam o direito ao silêncio nos questionamentos que tenham potencial para autoincriminação.
Ontem, o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, determinou ontem que cabe à CPI avaliar se um depoente está ou não abusando do direito ao silêncio concedido pelo tribunal.
Os dois prestam depoimento à comissão sob os mesmos limites: são obrigados a comparecer, mas podem ficar em silêncio com base no direito a não se incriminar. A opção de se calar, porém, vale exclusivamente para perguntas que tragam risco de autoincriminação. De resto, segundo o STF, as perguntas devem ser respondidas.
O valor do negócio, R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado (reservado para esse fim). O acordo, porém, acabou suspenso depois que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, trouxeram à tona suspeitas de corrupção dentro do Ministério da Saúde e possível pressão interna para que o processo de importação fosse acelerado à revelia de inconsistências contratuais. Os fatos teriam sido informados por Miranda, o deputado, ao presidente Jair Bolsonaro, em encontro no dia 20 de março.
Por pressão do STF, a PGR investiga se Bolsonaro cometeu prevaricação pela forma como tratou a denúncia dos irmãos Miranda.
Emanuela Medrades assinou o contrato por parte da Precisa e acompanhou todos os passos de sua tramitação, inclusive a emissão das invoices (faturas) pela empresa Madison Biotech, com sede em Cingapura. Já Maximiano, sócio da empresa, tem sob investigação vários negócios com órgãos públicos, inclusive o próprio Ministério da Saúde.
De perfil discreto, Maximiano não tem perfil em nenhuma rede social e evitou informar ao Senado seu endereço residencial. Uma de suas empresas, a Global Gestão em Saúde, foi denunciada pelo MPF (Ministério Público Federal) por ter descumprido um contrato de R$ 20 milhões para entrega de medicamentos raros.
O UOL procurou a defesa de Maximiano para comentar as suspeitas que já pesavam sobre ele antes do caso Covaxin, mas não teve resposta. O espaço está aberto para manifestação.