Política

PF vai apurar suspeita de prevaricação de Bolsonaro no caso Covaxin





O inquérito foi instaurado após pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de investigação contra o presidente na negociação da vacina indiana, após denúncia dos irmãos Miranda

A Polícia Federal abriu inquérito para apurar se o presidente Jair Bolsonaro prevaricou no caso das suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, representado no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos. A referida empresa é alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, no Senado, que investiga a negociação da Covaxin.

A investigação tem início após depoimento do deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, à CPI. Este último, chefe do Departamento de Importação do ministério, suspeitou de irregularidades envolvendo a negociação do imunizante, relatando ter sofrido "pressões atípicas" para acelerar a importação da Covaxin, apesar de erros na invoice (nota fiscal internacional).

Os dois, então, disseram ter levado as suspeitas ao presidente. Segundo o deputado, Bolsonaro prometeu levar as informações à PF, e teria dito, ainda, que a situação parecia ser "rolo" do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Não houve, entretanto, conforme informado pelos senadores na CPI, abertura de inquérito na PF sobre o caso a pedido de Bolsonaro. Agora, apura-se se o presidente não tomou as medidas cabíveis, como manda a lei, quando soube das suspeitas — ou seja, se prevaricou.

O inquérito foi instaurado após pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de investigação contra o presidente na negociação da vacina indiana. A solicitação se deu após a ministra do STF Rosa Weber enviar uma notícia-crime para análise da procuradoria, apresentada por três senadores ao STF.

A PGR, então, pediu ao STF que aguardasse as conclusões da CPI para depois se pronunciar sobre a notícia-crime. A posição foi criticada internamente. Como resposta, Rosa Weber voltou a pedir uma posição, dizendo ainda que “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos poderes da República” e apontou que a procuradoria “desincumbiu-se de seu papel constitucional”.

Após as informações dos irmãos Miranda, o governo afirmou que o presidente repassou ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello as suspeitas, em 22 de março, dois dias depois do encontro com os Miranda. O general Pazuello, entretanto, deixou o governo no dia seguinte, 23 de março. O governo, então, afirmou que Pazuello repassou as suspeitas ao ex-secretário-executivo coronel Elcio Franco, que deixou o cargo no dia 26. 

Na avaliação dos senadores de oposição e independentes na CPI, o prazo não seria suficiente para promover uma apuração envolvendo a Covaxin.

O que é prevaricação e as possíveis implicações para Bolsonaro

Crime contra a administração pública pode render de três meses a um ano de detenção

O pedido havia sido feito pela Procuradoria-Geral da República na sexta-feira (2) para apurar se, após ter sido informado sobre possíveis irregularidades na compra da vacina Covaxin, Bolsonaro prevaricou -- ou seja, não tomou as medidas adequadas diante da denúncia.

A ministra Rosa Weber, do STF, autorizou, ainda na sexta-feira (2), a abertura do inquérito para apurar a conduta do presidente no caso da negociação para a aquisição do imunizante.

O pedido, assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, ocorre após a ministra Rosa Weber, do Supremo, cobrar uma posição da PGR sobre a notícia-crime apresentada por três senadores à Corte pedindo a investigação dos fatos apurados pela CPI.

O que é prevaricação

Prevaricação é um crime funcional, ou seja, que só pode ser cometido por alguém que tenha um determinado ofício, contra a administração pública.  

Ela ocorre quando um funcionário público, propositalmente, atrasa, deixa de fazer ou faz algo indevidamente em benefício próprio.

"Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal."

artigo 319 do Código Penal Brasileiro

A pena prevista é de multa e três meses a um ano de detenção. 

Outros casos 

Não há notícia de governador ou presidente condenados por esse crime.

Em 2019, Vanderlei Markus, ex-prefeito de Paverama, no Rio Grande do Sul (90 km de Porto Alegre),  foi sentenciado a dois anos e dez meses de prisão em regime aberto por esse motivo, além de subtração de documentos. Ele teria permitido que uma fábrica de alimentos comandada por um apoiador, que não tinha registro no sistema municipal de inspeção nem padrões adequados de higiene, continuasse a produzir e a vender produtos. Ele também tentou dissuadir um funcionário de fiscalizar e adotar as providências para responsabilizar o estabelecimento. 

Outro caso é o de Cícero Amélio da Silva, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de Alagoas, que, no mesmo ano, foi condenado pelo mesmo crime. Ele produziu uma declaração falsa que, efetivamente, suspendeu o julgamento das contas do ex-prefeito de Joaquim Gomes (75 km de Maceió), Benedito de Pontes Santos, para que ele não fosse enquadrado na Lei da Ficha Limpa e concorresse a reeleição. 

Em 2015, o tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs também foi condenado por prevaricar ao saber que a licença de operação da Boate Kiss, em Santa Maria (RS) estava vencida, mas não tomar nenhuma providência. Em 2013, um incêndio no local matou 242 pessoas. 

O caso Covaxin

Na semana passada, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) detalhou suspeitas de corrupção na negociação de compra da vacina contra Covid-19 Covaxin. 

Ele contou que o irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, teria sofrido pressão para fechar a aquisição, mesmo com irregularidades entre o contrato e a nota fiscal apresentada, que tinha um número de doses diferente e pedia pagamento antecipado.

Em entrevista à CNN e também em depoimento à CPI da Pandemia, os irmãos disseram ter levado o caso ao presidente Jair Bolsonaro, que teria dito que encaminharia o caso para a Polícia Federal, mas não há registro de que isso tenha, de fato, acontecido.

Na notícia-crime, os parlamentares dizem que o presidente teria optado por não investigar o caso.

"Tudo indica que o Sr. Presidente da República, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento pelo deputado federal Luis Miranda e por seu irmão", escreveram.

"A motivação subjacente à sua inação, dados os fatos concretos até aqui delineados, não é relevante do ponto de vista do enquadramento penal de sua conduta, na medida em que a omissão ou se deu por envolvimento próprio no suposto esquema criminoso, ou por necessidade de blindagem dos amigos do Rei, numa nítida demonstração do patrimonialismo que ronda o atual Governo Federal".

O governo nega qualquer irregularidade

"Para tristeza de alguns poucos, o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação de corrupção. Não adianta inventar vacina, porque não recebemos uma dose sequer dessa que entrou na ordem do dia da imprensa", disse Bolsonaro. "Temos um compromisso, se algo estiver errado, apuraremos, mas graças a Deus, até o momento, graças à qualidade dos nossos ministros, não tivemos um ato de corrupção em dois anos e meio".

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, disse que a PF investigaria as declarações de Luis Miranda

Próximos passos

A partir da abertura do inquérito, a Polícia Federal (PF) deve ter 90 dias para realizar diligências, que são medidas como buscas e apreensões, análise de documentos e coleta de depoimento de possíveis investigados e testemunhas.

Quem comanda a investigação é o Sinq (Serviço de Inquérito) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado, setor que cuida de apurações que envolvem pessoas com foro.

A petição assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, determina os próximos passos que devem ser tomados pelas autoridades.

O primeiro deles é a solicitação a órgãos fiscalizadores, como Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), e a Procuradoria da República no Distrito Federal o compartilhamento de provas sobre a denúncia de supostas irregularidades feitas pelos irmãos Miranda durante depoimento na CPI da Pandemia.

Esse pedido de compartilhamento de provas, aliás, é extensivo também à comissão de investigação no Senado.

Eventual processo depende de aval da Câmara

Vale ressaltar que essa etapa de inquéritos não incorre em nenhum tipo de sanção ou penalidade aos envolvidos, incluindo o presidente Bolsonaro, e nem garante que ele ou qualquer dos investigados será alvo de uma denúncia da PGR.

"Se a PGR analisar todos os fatos, analisar a queixa-crime, provavelmente vai proceder a uma investigação, como se faz com qualquer crime, com o auxílio fundamental da Polícia Federal. Se, na sequência, tiver indícios suficientes de autoria e materialidade do crime, a PGR vai apresentar uma denúncia junto ao STF", afirma Vera Chemim, advogada e mestre em Direito Público.

Além disso, numa próxima etapa, se decidir processar o presidente por prática de crime comum, a PGR deve apresentar uma denúncia ao STF, a quem cabe o julgamento desses casos. O STF, no entanto, precisa de autorização prévia da Câmara dos Deputados para dar andamento ao processo.

Dessa forma, seria papel do atual presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) levar o caso ao Plenário – também é feita uma avaliação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas ela é apenas uma instrução.

No Plenário da Câmara, a votação é feita por chamada nominal e são necessários os votos de 2/3 dos deputados (342) para que seja aprovada a autorização de abertura de processo contra o presidente da República. Sem isso, o caso é arquivado, e o processo na Justiça fica suspenso até o término do mandato presidencial.

Fonte: Correio Braziliense e CNN Brasil com informações de Daniel Adjuto, Gregory Prudenciano e Vianey Bentes, da CNN