Cotidiano

Alta do dólar provoca queda expressiva no mercado ilegal de cigarros





Pela 1a vez desde 2015, o consumo de cigarro do contrabando registrou uma queda de demanda no país provocada, principalmente, pelos efeitos da pandemia e alta do dólar. É o que aponta a última pesquisa Ibope Inteligência/Ipec sobre o mercado ilícito de cigarros, divulgada pelo Etco(Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).

O levantamento mostra uma retração de 8 pontos percentuais em 2020 se comparado com 2019, quando o cigarro ilegal respondia por 57% do mercado. Hoje, 49% de todos os cigarros consumidos no Brasil ainda são ilegais, sendo 38% contrabandeados – especialmente do Paraguai  –  e 11% produzidos em território nacional, por empresas devedoras contumazes, que estruturam suas operações desde a criação para não pagar impostos, praticando, assim, preços muito abaixo dos concorrentes legais. Diferentemente das fabricantes paraguaias, estas empresas tiveram aumento de market share (3%).

Com a valorização da moeda norte-americana, que ultrapassou os R$ 5, em decorrência da pandemia mundial, o custo médio do cigarro do crime passou de R$ 3,44 para R$ 4,44, no ano passado – ou seja, um aumento de 29%. Essa redução na diferença entre o valor do produto do contrabando e o cigarro nacional – que tem preço mínimo de venda estabelecido por lei em R$ 5 – impactou diretamente o consumo. Leia os dados no infográfico:

Além da alta do dólar, a circulação do produto do crime também foi impactada pelas medidas de isolamento por conta da pandemia, como o fechamento parcial de fronteiras e do comércio formal e informal no Brasil, e pelo trabalho das forças de segurança na repressão ao crime organizado. O cigarro ilegal está no topo da lista de apreensões da Receita Federal e representa 66% do volume total apreendido em 2020 – o equivalente a 4,5 bilhões de unidades do produto.

Se de um lado o mercado ilícito caiu, do outro, a venda do produto legal aumentou. A pesquisa mostra a migração do consumidor do cigarro do crime para o produto nacional, aumentando a participação da indústria brasileira também em 8 pontos percentuais, saindo de 43%, em 2019, para 51%, em 2020. O crescimento contribuiu para um incremento de R$ 1,2 bilhão na arrecadação tributária brasileira sobre o setor de tabaco.

Na avaliação do presidente do Etco, Edson Vismona, esse aumento do mercado legal, apesar de atípico, mostra que é possível combater a ilegalidade.  “É importante que sejam tomadas medidas que impactem a demanda do cigarro ilícito. Isso passa por mudança tributária, que fomente a formalização da indústria do tabaco, diminua a participação do mercado ilegal e a atuação das empresas devedoras contumazes”.

Vismona ainda alerta: “Com a retomada da atividade econômica, o contrabandista vai querer recuperar o prejuízo provocado durante a pandemia. É preciso manter as operações integradas de repressão, que ganharam fôlego nas fronteiras, estradas e cidades durante a pandemia para conter o avanço do mercado ilegal no país”, afirma.

A continuidade na repressão às organizações criminosas que atuam no contrabando também é defendida pelo professor Pery Shikida, pós-doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas e pesquisador da economia do crime. Segundo ele, o contrabandista encontra espaço para atuar porque nossa legislação enxerga o contrabando como um crime de menor importância.

Essas pessoas não são presas, normalmente é pena de prestação de serviços ou pecuniária quando é réu primário. No início, o contrabando de cigarros era realizado por simples cigarreiros, ou seja, pessoas que queriam ganhar um dinheiro no mercado ilegal. Hoje, ele está nas mãos de organizações criminosas. Já não é um trabalho de amador. Esses grupos não trabalham só com cigarro, mas também com armas e drogas”, conta.

Saída passa pela revisão tributária

Para Vismona, a saída para combater o mercado ilegal de cigarros passa por outras duas frentes: do lado paraguaio, que o país vizinho eleve sua carga tributária tal como recomenda a OMS (Organização Mundial da Saúde); e do lado brasileiro, por um debate sobre o sistema tributário.

Atualmente, o imposto brasileiro varia de 70% a 90% do valor final do produto, dependendo do ICMS cobrado pelo Estado. Já no país vizinho, o percentual de tributos é de 18%, umas das menores taxas do mundo. Diferença que estimula a atuação do mercado ilegal. Para Shikida, “do ponto de vista econômico, a indústria nacional do tabaco precisa ter condições de competir de uma forma mais justa”, diz o economista.

Das 10 marcas de cigarros mais vendidas no Brasil, 4 são do crime. A pesquisa do Ibope Inteligência/Ipec mostra ainda que – mesmo com a pandemia e fechamento de estabelecimentos – o produto ilegal continua sendo encontrado facilmente. O resultado é que 89% dos cigarros contrabandeados foram comprados no comércio formal, como em bares, mercadinhos e padarias, o que acaba viabilizando o crescimento da ilegalidade.

É importante que sejam tomadas medidas que impactem a demanda do cigarro do crime. Isso passa por mudança tributária, que fomente a formalização da indústria do tabaco, diminua a participação do mercado ilegal e a atuação das empresas devedoras contumazes”, afirma Vismona.

Contrabando reflete na arrecadação

O mercado ilegal de cigarros também impacta diretamente a arrecadação. No último ano, R$ 10,4 bilhões deixaram de entrar nos cofres públicos do país por causa da sonegação de impostos do mercado ilegal. O dinheiro poderia ser usado, por exemplo, para construir 18 mil unidades básicas de saúde. Ao considerar os últimos 6 anos, o montante é ainda maior: R$ 60 bilhões deixaram de ser arrecadados.

Para Vismona, está provado que o combate ao mercado ilegal de cigarros eleva a arrecadação de tributos e fortalece a economia formal. “Em um cenário de pandemia com queda de arrecadação gerada pela crise, faz-se ainda mais necessário e urgente promover ações sistêmicas e sistemáticas de combate à ilegalidade, devolvendo o mercado para a indústria nacional, que gera empregos e contribui com impostos”.

Fonte: Poder360