Política

Covaxin: e-mails da Saúde indicam que é autêntica fatura de compra apontada como falsa pelo governo





Ministério pediu correção em compra da vacina indiana três dias depois da data em que servidor, junto com deputado federal irmão dele, disse ter apresentado suspeitas ao presidente Bolsonaro.

E-mails trocados entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos — recebidos pela CPI da Covid aos quais a TV Globo teve acesso — indicam a veracidade da "invoice" (fatura) de compra da vacina indiana Covaxin tratada como possivelmente falsa pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. 

A Precisa é a empresa brasileira que intermediou a negociação para aquisição pelo governo da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. A compra pelo governo de doses da Covaxin se tornou o principal tema da CPI nesta semana. Um servidor do Ministério da Saúde afirmou ter encontrado indícios de corrupção na compra e disse que informou o presidente Jair Bolsonaro sobre essas suspeita (vídeo abaixo). 

No último dia 19 de março, a fatura entregue pela empresa ao Ministério da Saúde aponta a compra de 300 mil vacinas por US$ 150 a unidade. 

Quatro dias depois, em 23 de março, um funcionário do Ministério pediu a correção da fatura, apontando erros no valor da compra, no formato de pagamento e em detalhes da entrega, como peso e validade do produto. 

O deputado Luiz Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, disseram que, em 20 de março, apontaram ao presidente Jair Bolsonaro o erro no documento inicial (com data de 19 de março). Eles afirmaram ter alertado o presidente de que havia indício de corrupção no processo. 

Nas redes sociais, a Secom criticou a divulgação do documento (imagem abaixo) pelos irmãos Miranda afirmando que teria indício de fraude. 

Primeira versão da "invoice" (fatura) da aquisição das vacinas da Covaxin — Foto: Reprodução

Primeira versão da "invoice" (fatura) da aquisição das vacinas da Covaxin — Foto: Reprodução 

"Documento com erro (e, ao que tudo indica, falso)", publicou o perfil oficial da secretaria

Mas e-mail trocado entre o ministério e a empresa indica a autenticidade do documento enviado. 

Em 23 de março, o funcionário William Amorim Santana, do Ministério da Saúde, pediu à empresa uma correção da fatura. 

"Prezado Fornecedor, após análise de nosso despachante na INVOICE apresentada, faz-se necessário a adequação da documentação bem como prestar, na INVOIVE, os dados listados abaixo", entre os quais, o quantitativo que seria enviado em cada caixa, peso e validade do produto. 

As correções foram realizadas. Entre essas correções, constava a informação de que as vacinas seriam enviadas em 300 mil caixas com 16 frascos cada. Também indica a validade de 24 meses. 

Assim, a nova fatura (imagem abaixo) aponta detalhes que antes estavam ausentes na "invoice" original entregue pela empresa e agora apontada como falsa pelo governo. 

Segunda versão da "invoice" (fatura) de aquisição da Covaxin, corrigida — Foto: Reprodução

Segunda versão da "invoice" (fatura) de aquisição da Covaxin, corrigida — Foto: Reprodução 

Mais tarde, no mesmo dia, o funcionário voltou a pedir correções. 

"Após observar a documentação, observei que está com a informação "100% advanced payment" (pagamento antecipado). Informo que o contrato 29/2021 não prevê pagamento antecipado. A modalidade é “Póstecipado”. Também foi observado que os valores de frete e seguro divergem do contrato", disse em e-mail divulgado pelo governo. 

"Peço a gentileza que observe o valor unitário de 15.00 US$ do produto, bem como o valor do frete e seguro. Esse valor não pode ser alterado. Feitas as ponderações, solicito a gentileza de providenciar a correção dos apontados acima", continuou. 

A Precisa Medicamentos respondeu a solicitação do funcionário no mesmo dia: "William, Já havia pedido essa retificação, e me enviaram." 

Os documentos também mostram o empenho do Ministério da Saúde em acelerar a aprovação da vacina indiana Covaxin no Brasil com a resolução de impasses na documentação exigida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O ministério optou pela modalidade de aprovação de importação de doses junto à Anvisa, com o importador sendo o responsável legal pela adoção das estratégias de monitoramento e cumprimento das diretrizes de farmacovigilância. 

A opção por essa modalidade foi possível graças à aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional e sancionada em 10 março pelo presidente Jair Bolsonaro. Logo depois, em 23 de março, o ministério pediu a importação das 20 milhões de doses da Covaxin. Essas doses haviam sido contratadas em 25 de fevereiro pelo governo. 

O funcionário William Amorim Santana tratou do tema junto à empresa. 

"Recebemos comunicado da ANVISA, no qual esta solicita complementação de documentos para continuidade do processo. Faço uma observação quanto aos itens abaixo, com destaque para os em negrito", apontou o ministério em e-mail à Precisa. 

Em ao menos 20 emails, o ministério apontou problemas e buscou soluções para a Precisa Medicamentos na documentação apresentada pela empresa. 

As correspondências também mostram que o processo foi tumultuado junto à Anvisa. 

"Encarecemos que as manifestações no âmbito desse processo sejam centralizadas por esse ministério", pediu a Anvisa. "O motivo de tal solicitação se deve ao fato de que a interveniente, Precisa Medicamentos, tem, por intermédio de mensagens eletrônicas (e-mail), copiado setores e diretorias da Anvisa com informações alusivas ao processo, o que pode causar tumulto à instrução processual." 

Mesmo após a atuação do Ministério da Saúde, a Covaxin não conseguiu liberação pela Anvisa — a importação foi negada pela agência em 31 de março

Desde então, o ministério solicitou reuniões com a Anvisa a fim de tratar da importação. As reuniões de pré-submissão devem ser, por regra, pedidas pelo importador. 

Foram realizadas ao menos quatro reuniões com a Anvisa durante o mês de abril para tratar das pendências da vacina Covaxin. 

A TV Globo teve acesso às atas dos encontros, nos quais foram apresentadas pendências identificadas pela área técnica da Anvisa sobre o processo de fabricação do imunizante. 

"O representante do Ministério da Saúde destacou que o referido processo de importação é um processo novo e que o novo pedido será instruído pelo Ministério", apontou ata da primeira reunião com a Anvisa, em 9 de abril. 

Um novo pedido de importação foi apresentado em 25 de maio e aprovado pela Anvisa em 4 de junho com restrições, entre as quais, o número de doses limitado.

Fonte: G1