Cotidiano

Governo anuncia investigações contra irmãos que levantaram suspeitas na compra de vacina indiana





Em resposta a suspeitas de irregularidades na compra da vacina Covaxin, representantes do Planalto afirmaram em entrevista coletiva na noite da quarta-feira (23/6) que a Presidência pediu a abertura de investigações na Polícia Federal e na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o servidor Luís Ricardo Miranda e o deputado federal Luís Claudio Miranda (DEM-DF) — irmãos e autores de denúncias de que houve uma pressão atípica para a compra do imunizante indiano. 

Protagonizaram a coletiva o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e o assessor especial da Casa Civil Elcio Franco — um dos investigados na CPI da Covid no Senado, comissão parlamentar de inquérito que apura a gestão do governo federal na pandemia de coronavírus. 

"Quero alertar ao deputado Luís Miranda: o que foi feito hoje, no mínimo, é denunciação caluniosa, e isso é crime tipificado no Código Penal", afirmou Lorenzoni, depois acusando os irmãos também de fraude processual. 

"O presidente determinou ao ministro-chefe da Casa Civil que a Polícia Federal abra uma investigação sobre as declarações do deputado Luís Miranda sobre as atividades do seu irmão, servidor público do Ministério da Saúde, e sobre todas essas circunstâncias expostas no dia de hoje."

Além da PF e da PGR, o ministro acrescentou também que a Controladoria-Geral da União (CGU) também será acionada. 

"Iremos solicitar um procedimento administrativo disciplinar junto à CGU, um PAD (sigla do procedimento), para investigar a conduta do servidor, já que no documento que vou apresentar a seguir, existem indícios de adulteração."

"Deputado Luís Miranda, Deus está vendo. Mas o senhor não vai só se entender com Deus, não. Vai se entender com a gente também. E vem mais, o senhor vai explicar e o senhor vai pagar pela irresponsabilidade, pelo mau caratismo, pela denunciação caluniosa, pela produção de provas falsas."

 

O que os irmãos disseram — e a resposta do governo nesta quarta-feira

 

Documentos obtidos pela CPI da Covid e revelados pelo jornal Estado de S. Paulo mostram que o valor da Covaxin contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose.

O servidor Luís Ricardo Miranda afirmou também ao Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido uma "pressão incomum" no Ministério da Saúde, como por parte do tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech. O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao depoimento sigiloso do servidor.

Deputado Luís Miranda e Jair Bolsonaro

Reprodução Instagram

O deputado Luís Claudio Miranda com Bolsonaro em 20 de março, quando houve o alerta sobre contrato da Covaxin

Já nesta quarta-feira (23), o irmão do servidor, o deputado Luís Claudio Miranda, disse ao jornal Folha de S.Paulo ter informado Bolsonaro sobre a pressão sobre Luís Ricardo. O presidente teria respondido que acionaria a Polícia Federal.

"No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse o parlamentar à Folha de S.Paulo.

"Tem coisa mais grave, bem mais grave (do que a pressão sobre o irmão). Inclusive erros no contrato. Formas irregulares na apresentação do contrato. Datas de vencimento das vacinas incompatíveis com a importação, sem tempo de ser vacinada a população", disse ainda o deputado.

Os irmãos foram convidados pela CPI da Covid para prestarem depoimento na sexta-feira (25/6).

Onyx Lorenzoni levou à entrevista coletiva dois papéis — um com o documento que os irmãos apresentaram, e que segundo o ministro é fraudulento; e outro que seria a versão original e final da nota fiscal de compra da Covaxin. 

Lorenzoni afirmou que o documento apresentado pelos irmãos não tinha várias informações que constavam na nota autêntica, como o peso do produto. 

"Por que um servidor que identifica um possível erro, uma fraude, não leva ao seu superior hierárquico? É dever dele. Aí está a prevaricação", questionou o ministro, acusando Luís Ricardo de demorar a apresentar sua denúncia, já que a compra das doses foi firmada em fevereiro.

"Por que ele inventou essa história? O que os dois irmãos queriam na casa do presidente no dia 20 de março?", completou. 

 

Preço e pressa na compra

 

Frascos de vidro com rótulo 'covid-19' enfileirados, um deles sendo pego por mão com luva

Getty Images

O assessor da Casa Civil Elcio Franco afirmou que todas as vacinas, e não só a Covaxin, foram negociadas com celeridade

Já o assessor da Casa Civil Elcio Franco apresentou no telão dados garantindo que o preço médio de vacinas negociadas pelo Ministério da Saúde foi de US$ 11,47 — variando de US$ 3,65 do imunizante Astrazeneca/Oxford produzido pela Fiocruz, a US$ 30 da Moderna. 

Franco garantiu também que houve celeridade na pesquisa e compra de todas as vacinas e que as negociações foram sempre feitas diretamente com representantes oficiais, designados pelo laboratório — não mencionando, em sua fala, a Precisa Medicamentos. 

"Nós tínhamos a previsão contratual que a grande maioria das vacinas — da Pfizer, da Janssen e também do mecanismo Covax Facility — seriam disponibilizadas no segundo semestre. Então, com vistas a antecipar a disponibilização de doses, foram firmados esses contratos das vacinas Sputnik V e da Covaxin."

Também é alvo de suspeita o fato da compra da Covaxin ter sido firmado sem aprovação do imunizante pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). A falta desta aprovação para a vacina da Pfizer foi uma das justificativas dadas pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, um general do Exército, para a rejeição de uma oferta da fabricante. 

Em sua apresentação, Franco disse que outras vacinas foram compradas antes de obter o registro ou autorização para uso temporário da Anvisa, como a Coronavac. 

"Jamais houve favorecimento para aquisição de qualquer vacina."

Ainda segundo o assessor, o contrato assinado previa o pagamento apenas mediante aprovação da agência: "Mesmo que o produto (Covaxin) viesse a ser entregue antes de a Anvisa aprovar, ele não seria pago." 

"Ou seja, até o presente momento, não foi gasto um real nessa contratação"

Procurada pela BBC News Brasil, a Precisa Medicamentos enviou uma nota dizendo que a dose "vendida para o governo brasileiro tem o mesmo preço praticado a outros 13 países que também já adotaram a Covaxin". 

"O valor é estabelecido pelo fabricante, no caso a Bharat Biotech. No mercado internacional, o imunizante tem sido oferecido entre US$ 15 e US$ 20", diz ainda o comunicado.

 

Fonte: BBC News Brasil