Política

Delegada de atos antidemocráticos foi retirada após pedir busca no Planalto





Cinco dias depois, outro delegado, Fábio Shor, pediu ao STF buscas nas três agências de publicidade com contratos com a Presidência: ArtplanCalia e NBS-PPR.

O objetivo das buscas era procurar provas de que agentes públicos distribuíram verbas do governo para canais bolsonaristas que incitavam movimentos na internet e nas ruas pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo e a volta da ditadura militar e do AI-5 (Ato Institucional número 5), o mais duro dos anos de repressão.

Reuniões e transferência

Os alvos da delegada da PF seriam a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que funciona dentro do Planalto e tem repartições na Esplanada, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, os endereços do secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e um canal bolsonarista no YouTube.

Delegada Denisse Ribeiro - Reprodução/TRF-4 - Reprodução/TRF-4
Denisse Ribeiro, delegada da PF

Imagem: Reprodução/TRF-4

Cinco dias depois, outro delegado, Fábio Shor, pediu ao STF buscas nas três agências de publicidade com contratos com a Presidência: ArtplanCalia e NBS-PPR.

O objetivo das buscas era procurar provas de que agentes públicos distribuíram verbas do governo para canais bolsonaristas que incitavam movimentos na internet e nas ruas pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo e a volta da ditadura militar e do AI-5 (Ato Institucional número 5), o mais duro dos anos de repressão.

Reuniões e transferência

Oito dias depois de o pedido ser enviado ao STF, o presidente Jair Bolsonaro(sem partido) se reuniu com André Mendonça, então ministro da Justiça (pasta na qual a PF está alocada), de acordo com a agenda oficial de 2 de julho. Em 6 de julho, Mendonça se encontrou com o então diretor-geral da PF, Rolando Alexandre Souza.

11.jun.2020 ? PF retirou investigação dos atos antidemocráticos da delegada Denisse Ribeiro em 09 de julho de 2020 - Reprodução/PF - Reprodução/PF
Em 9 de julho, PF retirou investigação da delegada

Imagem: Reprodução/PF

Após esses encontros, no dia 9 de julho, mais precisamente ao meio-dia, o diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, Igor Romário, transferiu, por ordem de Souza, a investigação do setor de Denisse para o Sinq (Serviço de Inquéritos), órgão que também funciona na sede da PF. A justificativa oficial da direção era que só o Sinq poderia conduzir investigações (o SPE, onde Denisse estava lotada, é um setor administrativo e de planejamento).

A pedido da corporação, a policial fez um relatório parcial das investigações que incluía, também, a informação sobre sua saída. O documento foi remetido ao relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes.

Ministro do STF Alexandre de Moraes - Felipe Sampaio/STF - Felipe Sampaio/STF
Quatro meses depois, Moraes despachou sobre ação

Imagem: Felipe Sampaio/STF

Àquela altura, porém, já existia uma ordem do próprio ministro do STF para que ela e outros delegados fossem mantidos no inquérito dos atos antidemocráticos. Ela retomou as investigações na noite do dia seguinte, 10 de julho, uma sexta-feira, depois da objeção da Corregedoria da PF.

11.jun.2021 – Pedido de busca e apreensão na Secom incluía todos os endereços, inclusive a Presidência da República - Reprodução/PF - Reprodução/PF
No Planalto: pedido na Secom incluía "todos os locais" relacionados aos fatos

Imagem: Reprodução/PF

A assessoria da Polícia Federal não prestou esclarecimentos e não forneceu cópia do processo de mudança dos delegados do caso. O Palácio do Planalto não comentou.

Como mostrou o UOL, em dezembro do ano passado, a PF pediu para aprofundar investigações na "hipótese criminal" segundo a qual o presidente Bolsonaro e seus filhos mobilizaram redes sociais para atos antidemocráticosnas ruas. O perfil Bolsonaronews, rastreado no pelos policiais no inquérito, foi acessado da casa de Bolsonaro no Rio de Janeiro e do Palácio do Planalto.

Mas, em junho deste ano, a PGR, comandada por Augusto Aras, deu parecer para arquivar as investigações.

11.jun.2020 – Em 14 de julho de 2020, PF colocou a delegada Denisse Ribeiro de volta na investigação dos atos antidemocráticos  - Reprodução/PF - Reprodução/PF
Em 14 de julho, PF devolveu investigação à delegada, que iria para outro setor do órgão

Imagem: Reprodução/PF

Ministério Público destacou "gravidade" das medidas

Em parecer emitido em 31 de agosto, a PGR destacou "a gravidade da natureza das medidas de busca e apreensão". "É que conforme se constata da expressão da autoridade policial, representou-se pelas medidas ostensivas não apenas nas sedes das ministeriais [sic] como, igualmente, em 'todos os locais que potencialmente guardem relação com os fatos'", escreveu o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, número 2 de Augusto Aras.

Jacques disse que os documentos poderiam ser obtidos sem buscas, com o uso de ofícios a serem feitos por uma investigação cível realizada pelo Ministério Público de primeira instância.

Moraes, do STF, analisou o caso em 9 de novembro, mas não autorizou nem negou as buscas: apenas perguntou à polícia se ainda havia interesse na medida. Em resposta, a delegada respondeu que 140 dias já haviam se passado desde o pedido e que a demora havia inviabilizado as buscas."O tempo decorrido resultou na perda de oportunidade, bem como vulnerabilizou o sigilo da ação", queixou-se.

A delegada afirmou, ainda, que o pedido de documentos feitos pelo Ministério Público por meio de ofícios, conforme sugerido pela PGR, poderia "alertar os detentores de informações relevantes".

Ministro não admitiria interferência, diz ex-diretor

Diretor-geral da PF da época, Souza disse ao UOL, por telefone e mensagens, que a saída de Denisse do caso não teve a ver com o pedido de buscas feito por ela.

"Alexandre de Moraes (...) é o presidente do inquérito e, se existe alguém que não admitiria qualquer interferência, seria ele"Rolando Alexandre Souza, ex-diretor da PF

"Se ele não se importou com base em tudo que foi dito e explicado, o que dirá os outros", continuou.

Souza disse que, apesar de o primeiro despacho ordenar a troca de setor e de delegados do caso, Denisse iria conduzir as investigações da Operação Lume, mas em outro setor. "Ela iria junto: o inquérito iria para o Sinq, com ela junto", afirmou ele à reportagem, por telefone. "Só que ela não quis ir pro Sinq."

O ex-diretor da PF contou ter discutido o tema por telefone com Moraes, do STF, explicando a situação. "O único local na sede em que se toca inquérito é dentro do Sinq." Segundo ele, definiram que a delegada continuaria no caso, mas na unidade regional de Brasília. "Ele concordou."

A reportagem perguntou se Souza tratou do tema com o então ministro da Justiça, André Mendonça. "Todo mundo sabia", respondeu. Ele afirmou que o conhecimento dele se deveu a notícias na imprensa à época.

Souza afirma não ter tratado da possível busca no Planalto na conversa com Moraes: "Nunca ninguém falou de mandado de busca".

Rolando Alexandre de Souza, ex-diretor-geral da PF -  Pedro Ladeira - 27.out.20/Folhapress -  Pedro Ladeira - 27.out.20/Folhapress
Rolando Alexandre de Souza, ex-diretor-geral da PF
Imagem: Pedro Ladeira - 27.out.20/Folhapress

A reportagem questionou se ele foi informado da busca e apreensão no Planalto, mas não houve resposta.

O ex-diretor da PF ameaçou processar o UOL. "Se botarem uma coisa que eu acho que é mentira, eu aciono judicialmente. Boa sorte, obrigado."

A assessoria do ex-ministro da Justiça André Mendonça disse que ele não comentaria, mas interlocutores informaram que ele desconhece o tema. Igor Romário e Denisse Ribeiro não quiseram dar entrevistas.

Pilar do mercado é a transparência, diz Wajngarten

Fabio Wajngarten, ex-chefe de Comunicação de Bolsonaro, depõe na CPI da Covid - Sergio Lima/AFP - Sergio Lima/AFP
Fabio Wajngarten, ex-chefe de Comunicação de Bolsonaro, depõe na CPI da Covid
Imagem: Sergio Lima/AFP

Alvo de um dos mandados que não foram cumpridos, Wajngarten disse ao UOL que a Secom não direcionou verbas para sites "de qualquer espectro político" e que não vê motivo para a inclusão de seu nome nas investigações. "Eu não posso concordar com uma premissa que não está correta", afirmou.

Sobre as suspeitas de que o dinheiro do governo irrigou canais de conteúdo antidemocrático, Wajngarten lembrou que a Secom esclareceu, à época do inquérito, que os pagamentos inadequados foram descobertos e o Googlecorrigiu o problema, reembolsando o governo nestes casos.

Há que se ter transparência nas relações entre anunciantes, agências, veículos e fornecedores. O principal pilar do mercado publicitário é a transparência"Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do Planalto

A PF queria buscas em três agências de publicidade contratadas pela Secom, a Artplan, a NBS-PPR (Profissionais de Publicidade Reunidos) e a Calia. A Artplan disse ao UOL que "faz a autorização de campanhas em mídias digitais (Google, Facebook entre outros) para todos os seus clientes através das plataformas próprias dessas mídias que utilizam algoritmos para a escolha dos canais de publicação".

A Calia afirmou ignorar o pedido de apreensão, mas destacou que os serviços prestados ao governo "têm o constante acompanhamento e auditoria periódica da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU), e já foram objeto de análise do MPF [Ministério Público] mediante a disponibilização de ampla documentação das campanhas realizadas".

A agência NBS-PPR não comentou o assunto. Já o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou que o fato de as buscas não terem sido realizadas "demonstra que este Ministério jamais teve qualquer envolvimento com os fatos relatados". A reportagem não localizou o canal "Foco do Brasil".

PGR "sempre quis" continuar investigação

A PGR afirmou que foi contrária às buscas com base no que explicou ao Supremo. "Buscas e apreensões são medidas extremas e invasivas e que, portanto, só devem ser tomadas nos casos em que outras providências menos gravosas se revelem insuficientes para a obtenção de informações", justificou o órgão.

Em nota, a PGR afirmou que só tomou conhecimento do pedido de buscas em 16 de julho, "período de férias". "A equipe analisou de forma minuciosa os autos e se manifestou ao STF em 31 de agosto após certificar-se de que essa mesma informação já estava sendo procurada pelo MPF em outro procedimento."

O órgão sustenta que sempre desejou a continuidade das investigações, "o que não significa transigir com as garantias constitucionais do processo a quem quer que seja, sobretudo, o devido processo legal e o princípio do juiz natural".

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, teve encontros com Mendonça e Souza nas datas dos despachos que decidiam o futuro da delegada. Ele não prestou esclarecimentos ao UOL.

Fonte: UOL