Cultura

Artigo de Dom Pedro José Conti: A tarefa mais difícil





A tarefa mais difícil 
 
 
Estava acontecendo entre os discípulos uma grande discussão. Queriam saber
qual era a tarefa mais difícil de todas: colocar por escrito aquilo que Deus revelava através das Escrituras, compreender o que Deus tinha revelado nas Escrituras ou explicar as Escrituras aos outros depois de tê-las entendido.
Quando perguntaram ao mestre o seu parecer ele disse:
 - Conheço uma tarefa mais difícil ainda. 
- Qual é? - perguntaram os discípulos.
 - Mostrar a vocês, cabeças duras, a realidade como ela é.
 
"De novo, Jesus começou a ensinar" (Mc 4,1), assim se inicia o cap. 4 de Marcos, do qual são tiradas as duas parábolas que encontramos no evangelho deste domingo. Uma, a da semente que cresce na terra "por si mesma", a
encontramos somente em Marcos, a outra, aquela do grão de mostarda, está
também nos evangelhos de Mateus e Lucas. As parábola foram a maneira de Jesus  explicar, através de comparações, aquela realidade complexa e ao,
mesmo tempo, maravilhosa que é o Reino de Deus. Tudo começa com um semeador que espalha a semente. No entanto no tempo em que o semeador "dorme e acorda, noite e dia" (Mc 4,27), a semente vai germinando e crescendo e ele não sabe como isso acontece. 
 
Hoje, nós podemos explicar como advém a transformação da semente em plantinha e depois como esta vai crescendo. Conhecemos os segredos das reações químicas entre os componentes que alimentam as plantas, a força da energia luminosa, a necessidade da água e a sucessão dos demais processos de desenvolvimento delas. Sabemos que a intervenção humana pode acelerar ou modificar algumas condições no crescimento das plantas, mas nada pode mudar a sucessão dos momentos que parecem já estar programados na própria natureza. "Primeiro aparecem as
folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga" (Mc
4,28), passam os séculos, mas, pelo jeito, esses passos continuam os mesmos.
 
 
Essa é a realidade e nós deveríamos ficar encantados e agradecidos com isso. A natureza toda, com as suas regras e os seus ritmos, é uma dádiva
maravilhosa que já encontramos quando chegamos neste mundo. Este é o sentido mais importante da parábola: como a natureza, assim o Reino de Deus tem uma força própria que o faz crescer, porque o Reino é, em primeiro lugar, obra e dom de Deus. Isso não significa, de jeito nenhum, que nós cristãos tenhamos que ficar só aguardando, de braços cruzados, as coisas acontecerem.  Jesus nos envia como "sal da terra e luz do mundo", mas sempre como colaboradores de uma obra extraordinária que é dele e, portanto, vai acontecer mesmo e apesar dos obstáculos que nós, infelizmente, colocamos. Não é humilhante sermos "colaboradores" da obra de Deus, sobretudo quando somos chamados de "amigos" e não mais de servos ou simples ajudantes que seja (Jo 15,15). Deveríamos ficar felizes  e  agradecidos por tanta confiança e paciência. Para sermos cristãos de verdade, não basta declararmos que temos muita fé, ou insistirmos  num moralismo que só enxerga os erros dos outros. O segredo da alegria e do sofrimento da vida cristã é  nos deixarmos envolver na semeadura e no testemunho dos valores do Reino. Poderemos ver o Reino crescer e se expandir como, também, poderemos ser perseguidos por causa do Filho do Homem (Lc 6,22). O Reino, portanto, será sempre um "dom" que deve ser pedido ( Pai Nosso!) e buscado para que todos os outros bens que Deus quer nos dar "por acréscimo" cheguem até nós (Mt 6,33).
 
A parábola da semente de mostarda, a menor de todas as sementes da terra, confirma, por contraposição, a grandeza do Reino. Pode parecer pequeno conforme os critérios dos poderosos deste mundo, insignificante talvez, mas crescerá, porque o bem e a vida vencerão o mal e a morte. Que alegria
podermos nos abrigar, confiantes, à sombra da árvore frondosa do Reino! No entanto, continuamos com as nossas cabeças duras, porque  julgamos o Reino com as nossas medidas humanas de poder e grandeza,  e esquecemos a "força" invencível, mas escondida e interior, do amor de Deus.
 
Dom Pedro José Conti 
Bispo de Macapá 
Fonte: Diocese de Macapá