Política

CPI da Covid: o que a comissão pretende investigar com convocação de 9 governadores





A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid aprovou a convocação de nove governadores e um ex-governador para prestar depoimento. 

A CPI inicialmente foi criada para investigar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia de covid-19.

A pedido de senadores governistas que também fazem parte da comissão, a pauta foi ampliada para investigar também o uso dos recursos federais enviados aos Estados e municípios 

O governo Bolsonaro diz que cabe aos Estados a responsabilidade pelo atual estado da pandemia no Brasil, que teve mais de 452 mil mortes por covid-19 até agora. 

Após a mudança na pauta da comissão, no entanto, senadores oposicionistas e independentes também apresentaram requerimentos para convocação de governadores. 

O partido com maior número de governadores convocados é o PSL, pelo qual Bolsonaro se elegeu e do qual depois o presidente saiu - mas os deputados e senadores da sigla continuam votando com o governo. 

  • Wilson Lima (PSC), Amazonas;
  • Waldez Góes (PDT), Amapá;
  • Ibaneis Rocha (MDB), Distrito Federal;
  • Helder Barbalho (MDB), Pará;
  • Wellington Dias (PT), Piauí;
  • Marcos Rocha (PSL), Rondônia;
  • Antonio Oliveira Garcia de Almeida (PSL), Roraima;
  • Carlos Moisés (PSL), Santa Catarina;
  • Mauro Carlesse (PSL), Tocantins.

Todos esses Estados tiveram operações da Polícia Federal para investigar se houve desvio de recursos públicos enviados pelo governo federal para combate à pandemia. 

À CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde fez uma investigação sobre o uso de recursos no Estados, mas não encontrou nenhuma irregularidade.

Dias, do Piauí, foi convocado também por ser presidente do Consórcio do Nordeste e responsável pela temática da vacinação do Fórum Nacional dos Governadores. 

O ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), também foi chamado. Witzel sofreu um impeachment e foi retirado do cargo em abril de 2021, mas governou o Estado durante a maior parte da pandemia. 

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro

Antonio Cruz/Agência Brasil

Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, também foi convocado pela CPI

 

O que dizem os governadores

 

O governador do Amazonas, Wilson Lima, é investigado por causa da compra de 28 respiradores, sem licitação, de uma empresa de vinhos, em meio ao colapso de saúde no Estado. 

Em uma nota divulgada à imprensa, o governo amazonense afirmou que "aguarda o desenrolar e informações mais detalhadas da operação que a Polícia Federal realiza em Manaus para, posteriormente, se pronunciar sobre a ação". Lima ainda não se pronunciou sobre a convocação à CPI. No Pará, a investigação envolve a suspeita de irregularidades na compra de respiradores, que foram entregues com atraso, não eram do modelo requisitado e não serviam para o tratamento de covid-19.

O governo do Estado disse em nota que "reafirma seu compromisso de sempre apoiar a Polícia Federal no cumprimento de seu papel em sua esfera de ação" e que "o recurso pago na entrada da compra dos respiradores foi ressarcido aos cofres públicos por ação" do governo. 

Afirma também que o governo "entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais coletivos contra os vendedores dos equipamentos." O governador Helder Barbalho ainda não comentou a convocação para a CPI. 

Antes da convocação pela CPI, na terça-feira (25/5), o governador Carlos Moisés, de Santa Catarina, afirmou no Twitter que "todas as informações referentes ao combate à pandemia em Santa Catarina, bem como o resultado de quaisquer investigações da Polícia Federal, MPF, MPSC e decisões judiciais, serão encaminhadas" ao Senado para auxiliar na CPI.

"A tentativa de criar um factoide por parte de um dos integrantes, que até agora pouco tem acrescentado aos trabalhos, não será suficiente para desvirtuar a Comissão de seu verdadeiro papel", afirmou. 

Em nota à imprensa, o governador de Roraima, Antonio Denarium, como ele é mais conhecido, disse que sua gestão "não compactua com atos de corrupção" e que assim que o governador assumiu o governo "fez auditoria em todos os contratos e cancelou o pagamento dos que estavam suspeitos."

O governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, afirmou ao portal G1 que "recebe com tranquilidade" a convocação para a CPI e que "no que for necessário, pretende contribuir". O Estado é alvo de operação da PF que investiga supostas fraudes na compra de exames de covid.

O governador do Tocantins, Mauro Carlesse, é investigado pela compra do Estado de máscaras por R$ 35 cada, um valor muito acima da média do mercado.

Carlesse ainda não se manifestou sobre a CPI, mas disse no ano passado que as compras de insumos foram feitas sem licitação por causa de uma "iminente necessidade das Unidades Hospitalares" e que, em "razão do sobrepreço, a própria gestão realizou a denúncia aos órgãos competentes, que embasaram as investigações da PF".

Os governadores Waldez Góes, do Amapá, e Marcos Rocha, de Roraima, ainda não se manifestaram sobre a convocação à CPI.

O governador do Piauí, Wellington Dias, afirmou que "sempre se colocou à disposição, como presidente do Consórcio Nordeste e como Coordenador do Fórum dos Governadores do Brasil, na temática da vacina, para colaborar com a CPI da Covid no Senado Federal" e que estará presente para prestar "todas as informações necessárias."

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel não se manifestou oficialmente sobre sua convocação à CPI, mas afirmou ao comentarista da GloboNews Octávio Guedes que vai apresentar à comissão indícios contra Bolsonaro, contra o procurador-geral da República Augusto Aras e contra Lindora Araújo, coordenadora da operação Lava Jato na PGR.

 

A CPI pode convocar governadores? 

 

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), lembrou nesta quarta, no entanto, que não há previsão legal para que a CPI possa convocar governadores e se opôs às convocações. 

O constitucionalista Wallace Corbo, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que é muito provável que todas essas convocações sejam contestadas no Supremo Tribunal Federal. 

Isso porque "o poder público está limitado ao que é autorizado pela Constituição ou pelas leis" e não há previsão de convocação por CPI de chefes do Poder Executivo. 

A professora de Direito Constitucional Estefânia Barbosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o artigo 50 da Constituição Federal prevê apenas a convocação de titulares de órgãos subordinados ao presidente da República. Governadores e prefeitos não estariam incluídos, portanto, sua convocação seria inconstitucional. 

Eles ainda poderiam ser convidados a comparecer à comissão, no entanto, e nesse caso seu comparecimento não seria obrigatório. 

 

O presidente da República pode ser convocado pela CPI? 

O vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou requerimento para convocar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a depor como testemunha. 

O pedido ainda não foi apreciado, e é incerto se será aprovado pela maioria do colegiado. Caso seja, é provável que a questão tenha que ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que há controvérsia jurídica sobre se a CPI de fato pode realizar essa convocação.

Outra questão que deve ser levada ao Supremo é a convocação aprovada pela comissão nesta quarta-feira de nove governadores: Wilson Lima (PSL-AM) , Helder Barbalho (MDB-PA) , Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Carlesse (PSL-TO), Carlos Moises (PSL-SC), Antonio Oliverio Garcia de Almeida (Sem partido-RR), Waldez Góes (PDT-AP), Wellington Dias (PT-PI) e Marcos José Rocha dos Santos (Sem Partido-RO).

Os nove convocados podem aceitar depor ou recorrer ao STF pedindo para serem liberados, já que há um precedente de 2012, quando o ministro Marco Aurélio autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer à CPI do Cachoeira. 

Randolfe Rodrigues disse considerar inconstitucional a convocação de governadores pela CPI. No entanto, como a comissão aprovou os nove depoimentos, o senador argumentou que, "por coerência", Bolsonaro também deve ser convocado. 

No requerimento em que pede a presença do presidente na comissão, Rodrigues diz que "a cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI".

Convocação do presidente da República

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre se Bolsonaro pode ser convocado pela CPI. 

A Constituição Federal não prevê explicitamente se uma comissão do Congresso pode ou não obrigar o Presidente da República a prestar depoimento. O que ela autoriza, no seu artigo 50, é a convocação de "Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República". 

Para Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco, o fato de a Constituição listar as autoridades que podem ser convocadas e não incluir o presidente da República nessa autorização exclui a possibilidade de Bolsonaro ser convocado. 

"Se a Constituição prevê ministros de Estados, que são uma autoridades de hierarquia menor, é como se ela tivesse implicitamente vedado a possibilidade de convocar o presidente", argumenta. 

Renan Calheiros

Agência Senado

Para relator da CPI, Renan Calheiros, não é possível convocar governadores e o presidente Bolsonaro

Na avaliação de Labanca, essa impossibilidade de convocar Bolsonaro está fundamentada também no princípio constitucional da separação dos Poderes. Dessa forma, diz, não é possível que uma comissão do Congresso (um órgão de menor dimensão dentro do Parlamento) convoque o chefe do Poder Executivo. 

"Interpretando o princípio da separação dos Poderes, o Supremo Tribunal Federal construiu uma jurisprudência muito firme em relação a CPIs. Há decisões do STF, por exemplo, que não permitem convocar juízes", destaca.

Ainda que, na sua avaliação, Bolsonaro não possa ser convocado, o professor ressalta que isso não impede que a CPI investigue o presidente e aponte eventuais responsabilidades em seu no relatório final. A comissão, diz ele, também pode convidar Bolsonaro a depor e, nesse caso, ficaria a critério do presidente aceitar comparecer ou não.

O professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei também considera que a omissão da Constituição, ao não autorizar expressamente a convocação do presidente, pode ser interpretada no sentido de que Bolsonaro não deve ser obrigado a depor. 

Na sua avaliação, porém, há margem para que o STF libere seu depoimento por causa do artigo 221 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê que o presidente da República, quando convocado como testemunha de um processo criminal, poderá marcar o dia e a hora de seu depoimento com o juiz do caso, ou mesmo optar por responder às perguntas por escrito.

Como comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação equiparados aos das autoridades judiciais, Mafei considera que a previsão de que o presidente da República possa ser convocado como testemunha no Código de Processo Penal se aplicaria também à CPI. 

"O artigo 221 do CPP prevê expressamente a possibilidade de presidente participar de processo judicial como testemunha, e esse artigo já foi apreciado recentemente pelo STF, que não viu inconstitucionalidade nele", afirma Mafei. 

O professor de refere ao depoimento do então presidente Michel Temer, em 2017, quando ele foi autorizado a responder por escrito a perguntas do Ministério Público Federal. Naquela ocasião, Temer falou na condição de investigado, não de testemunha, mas o ministro Edson Fachin autorizou que fosse por escrito. 

Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Supremo em Pauta, projeto dedicado a estudar a Corte, também avalia que Bolsonaro pode ser convocado. 

"Esclarecer a condução da política do governo federal durante uma pandemia que vitimou 450 mil pessoas é uma obrigação, um dever do presidente da República", defendeu a professora no Twitter. 

Toda essa discussão se refere a hipótese de Bolsonaro ser convocado como testemunha. Se ele for chamado como investigado, não seria obrigada a depor, pois a Constituição garante o direito ao silêncio a pessoas investigadas. 

 

Convocação de governadores

Os senadores da base governista defenderam a convocação dos governadores

A convocação dos nove governadores atendeu à pressão de senadores bolsonaristas que argumentam que a CPI da Covid precisa investigar todas as autoridades suspeitas de ilegalidades na pandemia, em vez de focar apenas no governo federal. 

Com isso, foram convocados os nove governadores cujos Estados foram alvos de ações da Polícia Federal que investigam possíveis desvios de recursos federais repassados às unidades federativas para o enfrentamento da crise do coronavírus.

Para Marcelo Labanca, governadores não podem ser convocados devido ao princípio da federação, que estabelece a autonomia dos Estados em relação as Poderes federais. 

Foi justamente esse argumento usado pelo ministro Marco Aurélio para liberar o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), de falar à CPI do Cachoeira, comissão que investigou práticas criminosas no seu Estado. 

Perillo aceitou depor em junho de 2012 àquela CPI, mas depois solicitou um habeas corpus para não ser mais convocado. 

Até a publicação desta reportagem, nenhum dos nove convocados havia acionado o STF. Apesar do precedente de Perillo, governadores ainda avaliam se recorrerão ao Supremo porque deixar de comparecer pode também causar um desgaste político, no sentido de estar resistindo a prestar esclarecimentos sobre sua gestão.

O governador do Piauí, Welligton Dias, por exemplo, disse que vai comparecer. "Tendo chamamento para comparecer à CPI com base na lei, ali comparecerei para contribuir, para esclarecer, mas principalmente para apontar caminhos para salvar vidas", disse, em vídeo divulgado por sua assessoria.

 

Fonte: BBC News Brasil