Educação

Escolas públicas continuam sem aula presencial em 14 estados e no DF





Descompasso da reabertura amplia desigualdades educacionais no Brasil

Passados 14 meses do início da pandemia no Brasil, 14 estados e o Distrito Federal continuam sem aulas presenciais nas escolas públicas. Nesses locais, só as unidades particulares estão recebendo estudantes, segundo levantamento feito pela Folha.

Sem nenhuma ação do governo federal para ajudar os estados a organizarem o retorno das atividades presenciais, o descompasso da reabertura das escolas no país aprofunda ainda mais as desigualdades educacionais regionais e entre alunos da rede pública e privada.

Ainda que tenham autorizado a reabertura das particulares, alguns estados afirmam aguardar a redução do número de infecções de Covid-19 para retomar as aulas presenciais em suas escolas. Outros, que iniciaram a vacinação de professores, dizem aguardar o avanço da imunização do grupo.

Com a segunda maior rede de ensino do Brasil, Minas Gerais continua apenas com atividades a distância para os alunos das escolas estaduais, que são cerca de 1,6 milhão. Não há nem sequer previsão de reabertura das unidades públicas.

Sem saber quando as aulas presenciais voltarão, o estudante Deusdete Melo da Silva, 20, saiu da escola onde cursava o 3º ano do ensino médio em São Gonçalo do Sapucaí, no sul de Minas. “Me preocupo muito com meu futuro porque quero fazer faculdade, mas estou aprendendo muito pouco a distância”, contou.

Além da dificuldade de estudar pelo celular, durante a pandemia, ele passou a cuidar da irmã de seis anos, que também está sem aulas presenciais. “Minha mãe precisa trabalhar e eu fico com ela, dou comida, brinco e ajudo com as tarefas da escola. Sou eu quem está ensinando a ela como ler e escrever.”

Silva planeja concluir o ensino médio pelo EJA (Educação de Jovens e Adultos). Nesse ano, ele começou a trabalhar para poder pagar um cursinho e, assim, tentar uma vaga em uma universidade pública. “Vou ter que procurar outras formas de realizar meu sonho, a escola pública não está me ajudando a chegar lá.”

Assim como em Minas, as aulas presenciais ainda não retornaram nas escolas estaduais do Acre, Amapá, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima.

Apesar de avaliarem que as condições epidemiológicas não são adequadas para a reabertura das escolas públicas, a maioria dessas unidades federativas autorizou que os colégios particulares voltassem a funcionar. É o que ocorre, por exemplo, no Distrito Federal.

“Não foi uma decisão pedagógica, mas, sim, epidemiológica. É muito diferente garantir a segurança para uma rede de quase 500 mil alunos e dar autorização para que uma escola particular com 500 alunos decida se quer abrir. Não podemos tratar como iguais os desiguais, a rede pública e a particular têm características muito diferentes”, disse Leandro Cruz, secretário de Educação do Distrito Federal.

A opção foi esperar a vacinação dos cerca de 50 mil profissionais de educação para que a retomada presencial possa acontecer. Nesse mês, o Distrito Federal começou a vacinar os trabalhadores que atuam nas creches. A previsão é que essas unidades públicas sejam reabertas em junho.

Depois dos profissionais da educação infantil, começarão a ser vacinados os que atuam nos demais segmentos. Segundo Cruz, há “otimismo na previsão de ter 100% dos que trabalham na educação básica” vacinados até agosto, quando, então, serão retomadas as aulas presenciais.

Apesar de os profissionais da educação estarem no grupo prioritário do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o Ministério da Saúde ainda não os incluiu no calendário de vacinação. Sem a definição do governo federal, alguns governadores e prefeitos decidiram que iriam começar a imunizar o grupo.

A iniciativa, no entanto, ainda ocorre na minoria dos estados. A vacinação teve início apenas em sete unidades: Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

“Se a educação fosse vista como prioridade no Brasil, teria havido organização e esforço para vacinarmos todos os profissionais da área. Esse deveria ser um esforço nacional e urgente”, defende Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação.

Para Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a vacinação dos profissionais de educação é essencial para o retorno com segurança. No entanto alerta que apenas a imunização desse grupo não é suficiente.

“O esforço maior precisa ser em termos de vacinar a população em massa e o mais rapidamente possível, com prioridade para trabalhadores mais expostos, como os da educação.”

Pellanda defende que o governo federal é o responsável pelo longo período de fechamento das escolas. Além da ausência de ações para mitigar os efeitos da pandemia na educação, a demora na vacinação da população e a falta de controle das infecções impedem uma retomada segura das atividades presenciais.

Há grande preocupação dos especialistas e gestores da área de que, se mantida a falta decontrole da pandemia e a atual velocidade de vacinação no país, o próximo semestre letivo também esteja em risco.

“O ensino remoto esgotou. Ele deve ser uma medida emergencial, não para durar 14 meses. O aluno, mesmo aquele que tem equipamento e condição de acompanhar, já não aguenta mais. O ensino remoto já não tem mais efeito”, diz Priscila Cruz.

Para Vitor de Angelo, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação), a diferença no ritmo de abertura das escolas terá como “consequência incontornável” o aumento da desigualdade educacional regional.

Ações e apoio do governo federal para estados e municípios com menos recurso ou condições de garantir a reabertura das escolas públicas poderiam ter evitado a ampliação dessa desigualdade.

“Uma coordenação nacional eficaz teria ajudado a dar condições a quem teve mais dificuldade para responder aos desafios da pandemia. Se isso tivesse acontecido, a gente poderia ter menos perdas, um país menos desigual", diz ele.

Angelo, que é secretário de Educação do Espírito Santo, destaca ainda que a decisão de reabrir as escolas públicas é apenas o primeiro passo. Há ainda um longo caminho para convencer as famílias, professores, funcionários e comunidade de que é seguro frequentar as aulas presenciais.

“Decidir voltar com as aulas presenciais é o mais fácil. O difícil é convencer a todos de que é seguro. E essa parte não depende apenas do governador ou do secretário de Educação, mas da confiança e percepção da população sobre a educação”, diz.

As escolas estaduais do Espírito Santo retomaram as atividades presenciais no começo do ano. No entanto, segundo Angelo, ainda não há estabelecimentos com frequência alta de alunos.

O mesmo ocorre na rede estadual paulista, que foi uma das primeiras a retomar as atividades presenciais no país. Dos 3,5 milhões de alunos, apenas 1,8 milhão voltou a frequentar a escola.

Fonte: Folha de São Paulo