Esporte

Superliga da Europa: por que os grandes clubes do continente decidiram criar torneio próprio





Alguns dos maiores clubes de futebol do mundo concordaram em criar a nova Superliga da Europa (ESL, na sigla em inglês) que rivalizará com a atual competição da Liga dos Campeões, o maior torneio de clubes do futebol mundial.

Embora a nova ESL não substitua ligas nacionais como a Premier League da Inglaterra e a La Liga da Espanha, os clubes que competem nela enfrentam a ameaça de serem expulsos de suas ligas domésticas pela Uefa, que é o órgão regulador do futebol europeu.

Até agora a iniciativa conta com 12 clubes de três países: Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham (Reino Unido); Milan, Inter de Milão e Juventus (Itália); e Atlético de Madri, Barcelona e Real Madrid (Espanha).

O comunicado conjunto fala que serão 15 clubes fundadores da Superliga, mas não há menção sobre quem seriam os outros três clubes que faltam. Outros grandes clubes europeus, como Bayern de Munique e PSG, não aderiram.

A Superliga não tem data definida para começar ainda, mas seu calendário prevê jogos de agosto a maio. Os clubes disseram que querem lançar o torneio o mais rápido possível. A entidade disse que pretende também lançar um torneio feminino.

Já a Uefa pretende anunciar nesta segunda-feira (19/04) uma reforma na Liga dos Campeões, cujo objetivo inicial era justamente impedir que grandes clubes formassem uma nova liga.

 

Por que esses grandes clubes estão fazendo isso?

 

O dinheiro parece ser o motivo principal. Os clubes dizem que a criação da Superliga resultará em uma maior distribuição de recursos ao longo do campeonato.

As receitas dos clubes de futebol foram duramente atingidas pela pandemia de covid, com jogos interrompidos e falta de espectadores nos estádios. Grandes clubes têm no seu elenco superastros do esporte, com salários milionários.

"A formação da Superliga chega em um momento em que a pandemia global acelerou a instabilidade no modelo econômico do futebol europeu existente", disse um comunicado conjunto divulgado no domingo (18/04) pelos 12 clubes fundadores.

O novo torneio europeu anual "proporcionará um crescimento econômico significativamente maior e apoio ao futebol europeu por meio de um compromisso de longo prazo", acrescentou o comunicado. A entidade não diz quais os valores atuais que recebem da Liga dos Campeões.

Além da receita destinada aos próprios membros, a Superliga vai oferecer "pagamentos de solidariedade ilimitados" aos demais integrantes do futebol europeu. Esses pagamentos crescerão de acordo com as receitas da liga, segundo o plano. 

A ESL diz que eles serão "substancialmente maiores do que os gerados pela atual competição europeia e devem ser superiores a 10 bilhões de euros (R$ 66 bilhões)" durante os estágios iniciais.

Andy Robertson e Paul Pogba

Getty Images

Liverpool e Manchester United estão entre os gigantes britânicos que aderiram à ideia

 

E as ligas nacionais?

 

Ligas nacionais como a Premier League da Inglaterra e a Série A da Itália têm grande audiência na TV em todo o mundo. O medo é que elas possam ser enfraquecidas pela nova ESL.

A Uefa, órgão que rege o futebol da Europa, alertou no domingo que os clubes envolvidos na ESL seriam banidos de todas as outras competições nacionais, europeias ou mundiais e que os seus jogadores poderiam ser impedidos de representar suas seleções.

Os clubes dizem que estão em busca de grandes receitas, já que a pandemia vem afetando suas finanças. Os primeiros detalhes da negociação para criação da Superliga surgiram em outubro passado envolvendo o banco americano JP Morgan. Estimava-se então que a nova competição valeria em torno de 5,3 bilhões de euros (R$ 35 bilhões).

Os clubes fundadores receberão um aporte de 3,5 bilhões de euros (R$ 23 bilhões) "para apoiar seus planos de investimento em infraestrutura e para compensar o impacto da pandemia de covid", disseram os organizadores da ESL.

O presidente da Juventus e vice-presidente da ESL, Andrea Agnelli, disse que os 12 clubes "se uniram neste momento crítico, permitindo que haja uma transformação na competição europeia, colocando o jogo que amamos em uma base sustentável para o futuro de longo prazo".

Embora os grandes clubes da Premier League da Inglaterra, La Liga da Espanha e Serie A da Itália tenham aderido, os principais clubes da França e da Alemanha decidiram ficar de fora.

 

Como vai funcionar?

 

A Superliga Europeia terá 20 clubes participantes — 15 fundadores e cinco outros clubes se qualificando em cada temporada. A entidade diz que o torneio vai gerar mais dinheiro que a atual Liga dos Campeões, e com melhor distribuição de recursos para o futebol europeu.

Os clubes vão disputar a nova competição no meio da semana, com as equipes continuando a competir em suas respectivas ligas nacionais, a ESL fez questão de enfatizar.

Segundo as propostas, a liga de 20 times da ESL seria dividida em dois grupos de 10, jogando entre si em partidas de ida e volta.

Os três primeiros em cada grupo se classificariam para as quartas-de-final, com os quartos e quintos colocados disputando as duas vagas restantes também em jogos de ida e volta.

A partir daí, o campeonato teria o mesmo formato de eliminatórias a duas mãos da Liga dos Campeões, com final em maio em campo neutro.

A liga planeja começar a funcionar "assim que possível".

 

Qual foi a reação até agora?

 

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, a Uefa e a Premier League criticaram a decisão no domingo. O presidente da França, Emmanuel Macron, elogiou os clubes que se recusaram a entrar na Superliga. Johnson falou que a Superliga é "muito prejudicial ao futebol".

A Uefa divulgou um comunicado conjunto com a Federação Inglesa de Futebol, a Premier League, a Federação Espanhola de Futebol, a La Liga e a Federação Italiana de Futebol, e a Serie A, dizendo que "permaneceriam unidos" na tentativa de impedir a separação, usando "todas as medidas disponíveis".

Os críticos dizem que a mudança está sendo impulsionada puramente por dinheiro, e que ela destruirá ligas nacionais, agindo contra a integridade do esporte.

A Fifa havia dito anteriormente que não reconheceria uma nova competição e que qualquer jogador envolvido pode vir a ser banido da Copa do Mundo.

Depois que a ESL foi anunciada, a Fifa disse que desaprova o torneio e fez um apelo para que "todas as partes envolvidas nessas discussões acirradas se engajem em um diálogo calmo, construtivo e equilibrado para o bem do jogo".

A ESL enviou uma carta ao presidente da Fifa, Gianni Infantino, e ao chefe da Uefa, Aleksander Ceferin, com uma notificação de processos judiciais em tribunais europeus com o objetivo de bloquear quaisquer sanções que os dois órgãos governamentais possam tentar impor sobre a formação da ESL.

Em um comunicado, a ESL disse: "Daqui para frente, os clubes fundadores esperam manter discussões com a Uefa e a Fifa para trabalharem juntos em parceria para entregar os melhores resultados para a nova liga e para o futebol como um todo".

Na tentativa de impedir a criação do novo torneio, a Uefa vinha trabalhando em reformas na Liga dos Campeões, e anunciaria essas mudanças nesta segunda-feira (19/04), mas foi surpreendida com a notícia da ESL. A fase de grupos seria extinta e a competição passaria a ter 36 times.

Apesar das reações contrárias, os criadores da Superliga defendem a criação do novo torneio.

O presidente do Real Madrid, Florentino Perez, que será o primeiro presidente da ESL, disse que a nova competição "ajudará o futebol em todos os níveis".

"O futebol é o único esporte global no mundo com mais de quatro bilhões de fãs e nossa responsabilidade como grandes clubes é responder aos seus desejos", acrescentou.

O presidente da Juventus, Andrea Agnelli, renunciou ao comitê executivo da Uefa e à presidência da Associação Européia de Clubes (ECA), que coordenava as reformas planejadas para a Liga dos Campeões.

O correspondente da BBC Sport, Simon Stone, disse que os clubes envolvidos na nova liga "terão de travar uma batalha de relações públicas para reverter as percepções — porque a reação inicial foi esmagadoramente negativa".

 

Como os torcedores reagiram?

 

Grupos de fãs associados a todos os seis clubes ingleses envolvidos se opõem fortemente à Superliga.

O grupo de torcedores do Liverpool, Spirit of Shankly (SOS), disse estar "chocado" com a decisão do Fenway Sports Group, o dono do clube, que tem sede nos EUA.

Em uma postagem nas redes sociais, o SOS disse: "O FSG ignorou os fãs em sua busca implacável e gananciosa por dinheiro. O futebol é nosso, não deles. Nosso clube de futebol é nosso, não deles".

A Chelsea Supporters' Trust considerou a mudança "imperdoável" e disse que seus membros e "torcedores de futebol em todo o mundo sofreram a traição definitiva".

A Associação de Torcedores do Arsenal chamou o acordo de "morte do Arsenal como instituição esportiva".

O fã-clube oficial de torcedores do Manchester City disse que a mudança mostra que "os envolvidos não têm nenhum respeito pelas tradições do jogo", acrescentando que está "determinado a lutar contra a suposta Superliga".

O Manchester United Supporters' Trust havia dito anteriormente que as propostas eram "completamente inaceitáveis" e que a ESL "vai contra tudo que o futebol, e o Manchester United, deveria representar".

O Tottenham Hotspur Supporters 'Trust disse que a ESL foi um "conceito impulsionado pela avareza e interesse próprio às custas dos valores intrínsecos do jogo que tanto prezamos".

Ex-ídolos do esporte também condenaram os planos.

O ex-meio-campista do Liverpool e do Tottenham Danny Murphy disse à BBC Sport que os planos "parecem não ter alma". O ex-capitão do Manchester United Gary Neville disse à Sky Sports que está "absolutamente enojado". Seu ex-companheiro de equipe Rio Ferdinand disse ao BT Sport que as propostas vão prejudicar os torcedores.

 

Fonte: BBC News Brasil